Casa da Louca

Letícia Dias
3 min readJun 12, 2020

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Um pensamento sobre paixões

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I- Casa

Correm em ritmo acelerado

pelas minhas correntes sanguíneas

a paixão,

o amor e o desejo de viver.

Correm, desenfreadas,

com pressa de sentir.

Vontade a vontade,

que transborda e gruda na pele.

Gruda e não desgruda.

Ocupa um espaço

e faz morada.

Contrato vitalício,

com a casa.

Casa da louca, loba.

II- A paixão nos aproxima ou nos afasta de nós?

Todos os dias tomo banho de manhã, quase sempre lavo o cabelo. Gosto de sentir a água quente da cabeça aos pés. Me irrita e sinto frio ter que desviar do chuveiro para molhar somente o corpo, além de não achar justo deixar de viver a leveza do cabelo limpo só para me livrar da preguiça de ter que seca-lo.

Uma belíssima característica minha: Coragem.

Reforço sempre as minhas características comigo mesma, já que sou a única pessoa desse planeta incapaz de não cultivar o meu próprio coração. Isso significa que não importa o que aconteça, dentro de mim haverá sempre sombra, água fresca e adubo o suficiente para um novo plantio, em todas as estações. (Acho isso poético, pensei, ao terminar de escrever).

Isso significa que respiro paixões, paixões que começam pelas manhãs de sol e se estendem com o ir e vir das nuvens e o céu azul, paixões pelas músicas decoradas de tanto escutar, paixões pelas cores que grifam as partes interessantes dos livros que quero ler de novo, paixões pelo cheiro do café que me faz lembrar que é hora de pausar, antes de voltar ao trabalho no final da tarde.

“Mas será que a paixão afasta a gente de nós mesmas ou nos aproxima?” — Perguntou a minha amiga, quase meia noite, antes de dormir dia desses.

“Ora, a paixão nos aproxima de nós mesmas” — Pensei.

Pensei mais do que escrevi em minha resposta, pensei como penso em tantas coisas o tempo todo, pensei como quem dorme pouco e sonha muito, pensei como andarilha que não se contenta em conhecer um único lugar, pensei como quem sente demais, pensei como quem nunca vai parar de pensar. Pensei como quem ama pensar e sentir, como quem ama viver. Pensei como ser. Pensei a ponto de não ser o suficiente pensar, até que meus dedos começaram sem que eu percebesse a conectar as palavras. Palavras que compartilho para que você também possa pensar, palavras que guardo para que eu mesma possa lembrar de me cultivar em dias que as dores me fizerem tentar esquecer quem sou.

Conto o quanto que pensei, para então dizer que se a paixão vem de dentro de nós, se é instintivo e selvagem, de dentro da gente, do âmago profundo, do intenso que corre nas correntes sanguíneas, acelerado, como não se aproximar de quem a gente é ao sentir paixão? Pensamos em algum momento na possibilidade de nos afastarmos de quem somos ao sentir as paixões, aliás não existiria esse pensamento se não fosse por uma dúvida, mas será que a dúvida vem do medo de reconhecer a parte que antes não conhecíamos, mas está dentro de nós, no íntimo do ser? Se o íntimo é cultivado eu me aproximo do êxtase como em um orgasmo, se o íntimo está vazio, o contato é doloroso, a terra é árida, mas continua sendo nós.

Pensamentos inacabados, mas quase lá. A paixão nos aproxima de nós, no inverno ou no verão. Talvez seja sobre a coragem de entrar debaixo do chuveiro e permitir que caia água quente da cabeça aos pés sem pensar na preguiça de secar o cabelo, ou pode ser sobre cuidar da própria alma, manter o quintal florido e a terra adubada, não esquecer de regar as flores e se lembrar da única pessoa incapaz de não cultivar o próprio coração, a dona da casa. Ter gramas que cobrem todas as paredes ou só enfeitam os jardins muda completamente a percepção de nós.

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Letícia Dias

Psicóloga, curiosa, louca por histórias, ler e escrever. Em um longo processo de autoconhecimento, sorrindo por aí enquanto observa a vida correr.